terça-feira, 15 de junho de 2010

#3

Não sabia muito o que ele queria comigo. Tínhamos poucas coisas em comum. Estudamos na mesma universidade e ele conhecia meu namorado. Conversamos sobre peças de teatro ou filmes que estavam em cartaz, já que ele sabia que eu era atriz. Eu me dizia atriz, mas no fundo mal conseguia me ser – quanto mais ser outras. Lembro que o telefone tocou e eu não reconheci o número. Depois de algumas charadas e jogos de palavras soube que era ele, me convidava para uma sessão de cinema aquela noite. Topei sem cerimônias, às sete horas em frente ao mate. Entre a gente não existia tensão sexual por vários motivos. O interesse dele em mim era outro, algo que eu não dominava bem e me botava curiosa. Cheguei antes do combinado e ele já estava lá. Aparentava mais magro que dá ultima vez, com os cabelos meio grandes demais. Estava acompanhado de um tipo indefinido. Nem alto, nem baixo, barba rala, olhos pequenos parecendo duas poças d’água suja. Lembro que a testa dele brilhava, refletia o luminoso da fachada da loja. Era cedo demais pra entrar na sala e decidimos comer alguma coisa. Pedi uma água tônica, expliquei que era por causa de uma azia insistente. Aquele que era mais meu amigo deu uma risada, investigou a minha azia e todos meus problemas gastrointestinais. Perguntou o porquê de não ter trazido meu namorado ao cinema e como estava nossa vida amorosa, se transávamos muito ou se atores gostavam das coisas só no palco. O outro rapaz observava e sorria muito, tentando participar da conversa. Talvez ele achasse engraçada a intromissão do seu amigo na minha vida. Será que eles eram amigos ou primos, irmãos? Não lembro. O que eu lembro é que em algum momento – o único espontâneo naquela noite - o rapaz de olhos sujos tomou um ar, pediu licença e virou o meu rosto de perfil. Ficou me olhando e perguntou pro companheiro: lembra aquele filme que vimos semana passada, estrangeiro... Qual era o nome daquela atriz mesmo? E o outro, aquele que eu julgava um pouco amigo, não respondeu nada. Sua boca sequer abriu, não saiu um A, um ar, nada. Só sabia me olhar e não dizer nada. Aqueles cinco segundos duraram muitos, e, antes de tudo ficar mais constrangedor, mudei de assunto, falei para nos apressarmos para o filme. Mas o que eu ia falar não era bem isso, era outra coisa.

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