segunda-feira, 3 de outubro de 2011

#13

Tratado formal das coisas

Da mesma forma que se ajeita o casaco antes de chegar. Da mesma forma que se engasga nas primeiras frases. Da mesma forma que senta à mesa e executa gestos precisos, que leva as mãos à boca ou alinha os objetos da mesa. Que executa uma coreografia invisível de alguém que tem um domínio do corpo. Da mesma forma que é elegante na fala, que sempre mantém o mesmo tom da voz, que só se altera pra dar risada. Da mesma forma que tem os pêlos dos cantos das sobrancelhas quase brancos de claros. Da mesma forma dos olhos tristes e de cantos rasgados, que mudam de desenho de acordo com o ângulo, que se tornam mais melancólicos. Da mesma forma que as pupilas são irregulares, que uma aparenta ter ângulos quase como os de um quadrado semelhante ao buraco de fechaduras antigas – por um momento imaginei uma chave transpassando ela. Da mesma forma como fala da existência assim como do gosto de frutas. Da mesma forma que tem o lábio inferior irregular, muito mais grosso na parte da mucosa do que nas comissuras laterais. Da mesma forma que tem os dentes retos e infantis. Da mesma forma que fala de intimidades com uma amargura sóbria, que dizem muito e que deixa a ser dito. Da mesma forma que engasga nas palavras das últimas frases. Da mesma forma como meu interesse por você é bonito e estranho como a enseada de um mar escuro e calmo.