É preciso me reinventar. Matar a mãe e casar com o pai.
Fazer um desenho da mãe e do pai juntos, numa praia, enquanto brinco de fazer
castelos e me junto aos piratas. Aceitar meu corpo de mulher. Rejeitar meu
corpo de mulher. Cortar ele em pedaços, colocar numa caixa de papelão e lançar
ao mar. Molhar as canelas no mar. Fazer um sinal na testa e na nuca com a água
do mar. Falar com estranhos numa língua que não domino. Desenhar esse estranho.
Desenhar o corpo de mulher no mar. Desenhar o pai como herói – nunca foi. Andar
de bicicleta – nunca fui. Deixar as pessoas irem. Ajoelhar, tocar a cabeça no
chão e pedir por alguma coisa. Convidar minha mulher pra sentar à mesa – mesa para
três. Pedir o vinho mais caro e brindar aos dois. Perfurar a mão do homem com o
brinco da mulher. Brindar aos um. Engravidar desse um. Ter meu filho sozinho,
em casa. Não mostrar pra ninguém. Cortar o cordão com os dentes, embrulhar tudo
num pano preto e colocar num rio. Não contar pra ninguém. Furar o dedo com uma
agulha e, com o sangue, escrever “volto logo” em um lenço. Cavar um buraco no
chão. Enterrar o lenço. Deitar em cima do buraco e me masturbar. Acenar com a
cabeça quando a mãe disse “sai desse chão frio”. Ir de joelhos até uma igreja.
Voltar. Comprar uma dúzia de pratos pra casa nova. Desenhar a casa nova. Olhar
sua foto e pedir perdão. Olhar sua foto e falar “me deixa”. Ligar pro seu
número e perguntar “quem é você?”.
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