domingo, 3 de julho de 2011

#11

Era do tipo que não me interessava em nada. Passava dos quarenta, com certeza. Camisa pólo por dentro da calça, cinto de fivela dourada, celular e chave do carro penduradas na cintura. Nas mãos, anéis chamativos – provavelmente de ouro. Andava de um jeito artificial, mas galante, numa postura que dignifica o homem.
Passei semanas observando ele e imaginava o que fazia da vida. Talvez fosse funcionário, já que estava sempre no prédio onde trabalho. Ou não, fosse apenas cliente dos advogados dos últimos andares.
Dava pra sentir na cara e no cheiro de perfume novo que era mal casado ou estava se divorciando. Na camisa bem vincada, a chave do carro na cintura, ficava clara a vontade do delito, de trair a provável mãe dos seus filhos. Podia imaginar ele interpelando mocinhas das lojas perguntando pelo melhor perfume, aquele mais adequado a sair por aí, atrair e devorar outras mocinhas iguais a elas. E, talvez, com isso tudo, precisaria de um advogado.
Na época eu também era casada. Lembro de me sentir feliz em sair correndo e deixar a janta pronta pro marido. Até que um dia, ele, o marido, sem me chamar de esposa, mulher, nem nada, foi embora. Disse que tinha nojo de tudo, daquela farsa, de ver minha cara todo dia, de saber quando eu sangrava, de me ver sempre triste e partiu. (Pensando agora, minhas roupas e meu cheiro podiam entregar aos outros a minha infelicidade no amor, como a dele, do senhor do elevador. Mas não era isso o que eu ia falar.)
O que importa, ou talvez não importe tanto, é que nunca nos olhamos, eu e aquele senhor. Notava-o de longe, todo dia da mesma forma, óculos de sol, camisa pra dentro, sapatos reluzentes, pasta de couro na mão. Talvez ele me seguisse de longe também, não tenho como saber. Pela lógica, tom da pele, porte, chuto que os olhos dele sejam pretos. Pretos como os sapatos, mas não tão lustrados como eles, talvez.
Em fevereiro daquele ano (e já se foram cinco anos) teve um pequeno surto de conjuntivite na região, motivo pelo qual numa sexta-feira como essa de hoje saí mais tarde das consultas. O elevador desceu, parou no meu andar e, como se eu já esperasse, aquele senhor estava lá. De pasta, sapato, cinto, pólo, óculos escuros. Entrei e tomei o meu lugar, próximo a ele. Subiram mais duas ou três pessoas no elevador, advogados engravatados, um paciente meu. Dois ou três andares abaixo, enquanto alguns saíam e outros entravam de lá, alguém encostou suavemente no meu quadril, por trás. E permanecemos assim até o térreo.
Essa situação se repetiu por muitas vezes a partir desse dia. Às vezes até mais de uma vez durante meu expediente. Eu o via de longe, inventava algo pra fazer em algum outro andar, visitar algum colega, levar documentos em outro consultório. Aquele senhor tomava o elevador, se postava atrás de mim e, discretamente, colava o seu quadril no meu.
Nunca parei pra pensar o motivo de eu fazer aquilo. Uma mulher casada não devia deixar um homem roçar nela, muito menos em público e no seu ambiente no trabalho. Mas eu deixava e não fazia muito juízo das coisas, não pensava sobre. Pelo contrário, eu fazia com gosto e ficava o expediente todo ansiando por ver aquele senhor de óculos e pasta de couro no elevador. Sonhava com aquele momento do dia onde o homem desconhecido dos sapatos brilhantes se esfregava na minha bunda. Minhas pernas tremiam durante o encontro, o acaso ritualizado. Naquele momento, os poucos segundos antes de sair pro térreo, pra terra, eu sentia o pau dele, duro nas calças, me dizendo: “Anda!”
Foram dias, semanas, naquela ansiedade da hora em que o senhor das coisas cintilantes ia me encostar, me roçar, me dizer algo com seu volume nas calças. Aquele senhor do pau, do oráculo. Até que em um desses dias, sem aviso, sem eu suspeitar de nada, ele saiu do elevador no andar da garagem e sumiu.
Sem saber o que fazer, sem meu ritual cumprido, fui atrás dele. Ele, mesmo sendo um desconhecido, não podia renegar a minha dedicação. Não podia me frustrar daquela forma, deixar de me dar o que eu queria – mesmo sem saber o que era.
Após percorrer dois ou três corredores da garagem, encontrei o senhor do elevador encostado em um carro. Ele estava lá, de óculos escuros, sapatos reluzentes, cinto de ouro. Aos poucos me aproximei e percebi sua mão cheia de anéis segurando o membro duro pra fora da calça. Seu pau, como um dedo em riste, apontava para o alto.
Aquele senhor mantinha a cabeça baixa, imóvel, olhando talvez pra cabeça lustrosa do seu pau ou pros seus sapatos, ambos reluzentes, ambos refletindo um ponto de luz nos seus óculos escuros. Foi quando eu vi brotar uma água dos seus lábios. Não demorou muito pra saliva toda acumular na boca e se transformar em um fio. Um fio de baba que aos poucos começou a pender daquela boca que eu não sabia o nome nem por onde andava. A saliva escorria lentamente, num fio grosso e brilhante como as coisas que reluziam naquele desconhecido.
Aos poucos a lâmina de baba foi crescendo, ganhando forma. Imaginei que este cuspe transparente podia se cristalizar e, sendo sólido, se transformar numa lança que arrancaria tudo que fosse ruim em mim. Era um fio mágico que, se uma agulha tivesse, poderia consertar os danos da minha vida. Um bicho da seda desconhecido, que me cuspia o que tinha de melhor em seu corpo quase velho e quase desconhecido. Um pouco antes daquela saliva, do cordão fluído resvalar no pau daquele homem ou nos seus sapatos, eu andei e fui embora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário