quinta-feira, 14 de outubro de 2010

#7

Queria não acreditar na justiça divina e desejar o teu mal sem cerimônias. Ter forças pra pedir ao universo que teu ventre fosse seco, que nada daí saísse quando assim você quisesse, quando os canários nas gaiolas e os mimos não fossem mais suficientes. Meu medo é que esse desejo se volte contra mim e caia na minha vida como uma bolsa cheia de algum líquido viscoso, de sangue ou como a bexiga de um animal cheia de urina. Seria sim um acontecimento, finalmente um acontecimento.
Não lembro de ter sentido a tua partida como agora, grave, quando você me acena de longe. Sei que assim, nessa perspectiva, perto da casa, do ventre, do domicilio conjugal, você é outro. Talvez um outro melhor, para você e para o universo – o universo de vocês. Melhor de longe, onde não consigo enxergar teus olhos gritando “juventude!” enquanto com teu corpo responde a outra coisa. Distante, não me obrigo a  ser plateia dessa performance diária, a obrigação da vida feliz.
Pensando bem, que teu útero seja, como nenhum outro antes, fantasticamente fértil. E teu rebento um espelho (pode ser desses que as mulheres guardam nas bolsas, junto com a escova de cabelo.) Na impossibilidade de parir o fruto por baixo, que seja pela boca ou algum dos teus outros oito buracos – cabe aqui o buraco que você tem no coração. Ali, na confirmação da vida plena, no dar à luz o teu herdeiro, espero que você o olhe no olho (como deixou de fazer comigo há tempos) e enxergue no reflexo a tua verdade.

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